A psicologia da inovação

Jose Mello
O inovador brasileiro
6 min readFeb 17, 2021

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Para se alcançar resultados com inovação é necessário investir tempo e consequentemente dinheiro no moral da tropa. Para falar a verdade, mais tempo do que dinheiro!

Uma empresa é tão inovadora quanto as pessoas que nela habitam

É preciso acreditar que tudo é possível antes mesmo de fazer. Em inovação, a máxima ver para crer não funciona, primeiro é preciso crer para então começar a ver!

Ao longo da minha carreira tive a oportunidade de fazer parte de ao menos três processos de transformação em grandes organizações. E um fator comum à todas elas, é que seus funcionários quando perguntados se a empresa era inovadora, a resposta deles era um uníssono NÃO. Olhávamos as pesquisas de clima organizacional e todas alcançavam scores baixos no quesito inovação. Isso me intrigava, pois todas eram empresas muito bem sucedidas, com bons produtos, muitas vezes produtos inovadores, mas que não tinham o reconhecimento e validação do próprio time que os criaram. Mas o que fazia com elas não alcançassem esse reconhecimento interno? Como esse reconhecimento interno, ou a falta dele, refletia na imagem que a empresa projetava para o mercado?

Rapidamente eu percebi que o problema dessas organizações não era o processo, a metodologia adotada ou a tecnologia. O problema dessas organizações era que os funcionários não acreditavam que aquilo que eles estavam fazendo era inovação, mesmo que fosse! Louco né? Foi aí que comecei uma jornada de estudo sobre o que vou chamar aqui da psicologia da inovação. Tive que ler muito sobre comportamento humano, motivação intrínseca, flow, medo e reconhecimento. Em alguma outra ocasião reuno tudo o que li (livros e autores) e posto aqui no inovador brasileiro.

Para compreender melhor as causas desse problema, comecei a me reunir com grupos de funcionários e a tentar entender deles que referência de inovação eles tinham? Quem era uma empresa inovadora por exemplo e por que? Comecei a analisar também padrões comportamentais dos indivíduos e vi que a maioria das pessoas quando perguntadas se elas eram inovadoras, raríssimas vezes se classificavam como tal. Elas achavam que não tinham essa capacidade. Questionei também um momento na vida dela em que ela se sentiu inovadora? Quando foi a última vez que ela sentiu que fez algo do qual se orgulhasse muito de ter feito?

Se eu somar todas as pessoas com quem falei nas organizações pelas quais eu passei, devo ter entrevistado umas 2 mil pessoas em todos os níveis, da mais operacional ao CEO dessas companhias. Meus aprendizados me mostraram que existem ao menos 3 temas que precisam ser trabalhados para se criar uma cultura favorável a inovação.

O primeiro deles é protagonismo. As pessoas querem se sentir empoderadas para tomar decisões, para fazer e querem ver o impacto do seu trabalho repercutindo no negócio como um todo. E esse reconhecimento não basta vir do chefe, ele precisa vir dos pares. O inovador se motiva e se valida pelos olhos das pessoas próximas dela.

O segundo tema que aparece com frequência é a falta de colaboração, falta de um senso comum que os permita colaborar, cada um ao seu modo, para um bem maior. Muitas organizações não possuem espaços nem processos para colaboração, o que cria um distanciamento das pessoas umas das outras e de certa forma uma competição entre elas. Como eu não vejo o que o outro faz, se algo dá certo, acho que foi por exclusivamente por minha causa. Se dá errado, com certeza foi por causa do outro.

O terceiro tema e não menos importante é o medo de errar, que paralisa e reduz a capacidade de experimentação que é um dos pilares centrais de qualquer abordagem sistemática de inovação. O medo de falhar se camufla de diversas formas, desde a falta de ação porque não está no seu "job description", passando por uma cultura onde a pessoa "tira o pedido" e faz o que é mandado, ou no sistema de avaliação de metas do ano em que a pessoa é punida quando não alcança metas estabelecidas fazendo com que a pessoa acabe adotando metas menos arrojadas para estar em uma posição mais confortável de que, sim, é capaz de de entregar todas. Seja um medo real ou fictício, a verdade é que todas essas formas de camuflar o medo de errar nascem dentro do individuo. É ele que se coloca nessa posição passiva e assim se vitimiza.

Para se quebrar esse ciclo, é preciso criar espaço para que inovadores possam florescer. Todo inovador é de certa forma um transgressor de regras, pois ele se apoia na fronteira das regras e do que é considerado seguro e se arrisca na tentativa de alcançar um objetivo inesperado ou um resultado surpreendente.

É loucura continuar fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.

Mas até mesmo para se quebrar regras, é preciso ter regras. É preciso se estabelecer limites do que é aceitável e do que não é aceitável dentro da cultura da organização. No começo vai soar meio estranho, vai ficar meio forçado, mas com o tempo vai ficando mais natural para as pessoas.

Dentre todos os caminhos que já testei, os desafios estilo "Shark Tank" são uma opção muito interessante. Você dá um desafio de negócio real para o qual você está em busca de uma solução, daí pessoas se organizam em grupos para submeter suas ideias (não existe colaboração se a ideia vir de um indivíduo), as 10 ou 20 melhores ideias são escolhidas para passar por um processo de mentoria com especialistas de diversas áreas. Esses especialistas podem vir de dentro da própria organização e, ao fim dessa mentoria, os grupos apresentam suas ideias para um comitê em que o CEO da companhia precisa fazer parte. Nesse momento o que era uma ideia passa a ser um projeto e o projeto vencedor recebe todos os recursos para que ele possa ser implementado, além de uma premiação para reconhecer a ideia do time vencedor. Passar por essa jornada constrói nos participantes uma série de capacidades técnicas mas, mais do que isso, fortalece sua auto-confiança, dá a eles voz e exposição frente à liderança da companhia, e a real visão de que estão sendo protagonistas daquela mudança. Vi grandes transformações acontecerem ao longo dos últimos 13 anos como, por exemplo, um gestor que não queria que um membro da sua equipe participasse do desafio porque iria comprometer o tempo de trabalho dele se desmontar quando o CEO da empresa em um evento para todos os participantes do desafio e convidados anunciou o grupo desse colaborador como vencedor e os chamou no palco. Naquele momento, eu fui ao lado do gestor e convidei ele a subir no palco também e receber o prêmio ao lado dos colaboradores por ter fomentado esse ambiente de inovação em sua área. Bom, não preciso nem dizer que esse gestor se tornou um habitué nas edições seguintes do programa com, não mais um colaborador participando, mas com diversas pessoas do time dele participando.

Assim como acontece com as crianças que se espelham nos adultos a sua volta, qualquer transformação organizacional se dá pelo exemplo que os colaboradores vêem e não pelas palavras. Mais que valores escritos nas paredes da empresa, é preciso que haja uma atitude pró-inovação permeando a organização e ela precisa partir da liderança. E esse é um processo que uma vez iniciado, não tem como ser parado, ele ganha vida própria, pois uma pessoa contagia a outra e assim a massa de inovadores começa a crescer, transformando a percepção interna e externa da companhia. Em uma das companhias pelas quais passei, vimos as avaliações de inovação nas pesquisas de clima subirem mais de 10 pontos percentuais depois 2 a 3 anos que o processo foi iniciado e começamos a ver a empresa ganhando prêmios de inovação no mercado com ideias criadas por esses grupos, mas também pelo reconhecimento de que alguns projetos "antigos" eram sim muito inovadores e mereciam ser expostos e reconhecidos.

Não é uma jornada fácil, mas é recompensadora e é uma transformação tão profunda que não pode ser revertida porque ela parte de dentro de cada individuo. Como diria Einstein:

A mente que se abre a uma nova ideia jamais retorna ao seu tamanho original

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Jose Mello
O inovador brasileiro

Corporate innovator & Educator. Working in the crossroads of Technology, User Insights and Business Strategies to help companies thrive in the digital age.