Vamos fazer "um design thinking" para isso?

Jose Mello
O inovador brasileiro
6 min readJan 28, 2019

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Se você já falou isso alguma vez, está na hora de rever seus conceitos

Bem! Acho que para entender como Design Thinking se tornou sinônimo de workshops para colar post-it na parede a ponto de gerar repulsa de alguns executivos — Ah! Mas não vem com aquele negócio de colar post-its na parede, não! Preciso de algo prático! — é importante entender o efeito da popularização dessa abordagem por aqui.

Desde o lançamento do livro "Change by Design" do Tim Brown, CEO da IDEO em 2009 o uso da abordagem do design centrado no ser humano vem ganhando popularidade no mundo todo. Nos Estados Unidos, a popularização trouxe consigo a valorização do profissional de design que andava meio em baixa, tornando a prática essencial em organizações de diversos segmentos — de alta tecnologia a seguros — e consagrando-se como um diferencial competitivo relevante.

No Brasil, a popularização do Design Thinking gerou um efeito contrário ao efeito visto em outros países. Mas isso não é uma exclusividade do Design Thinking, outras abordagens e metodologias foram vítimas da popularização por aqui também. Mas porque isso acontece? Para mim, a explicação está relacionada a 2 grandes fatores:

O primeiro deles diz respeito à uma prática comum no Brasil de "vender pá e picareta" ao invés de "tentar encontrar ouro". No Brasil é muito comum encontrar profissionais querendo ensinar os outros a encontrar ouro vendendo ferramentas, mas sem ter nunca sequer procurado ouro ele mesmo. Assim nasceram nossos empreendedores de palco ensinando como se deve empreender com sucesso sem nunca terem enfrentado as dificuldades de abrir um negócio próprio; ou nossos PMOs que acreditam que é possível gerenciar um projeto sem precisar entender nada do assunto, pois basta cobrar se os outros fizeram as atividades, preencher o status report e levantar as bandeiras quando as coisas não estão bem; ou, mais recentemente, nossos coaches de carreira e vida (o país está repleto deles) dando dicas para as pessoas, ensinando como se ter sucesso e pregando conceitos que eles mesmos nunca aplicaram nas suas vidas. E essa superficialidade com a qual lidamos com temas e, claro, o oportunismo de alguns, é que fazem com que boas iniciativas percam valor e que bons profissionais acabem se confundindo com os aventureiros e colocados na vala comum.

O segundo fator está relacionado a como essa abordagem foi aprendida por aqui. "Em terra de cego, quem tem um olho é rei". Por aqui os cursos de design thinking se popularizaram. Hoje é possível fazer um curso online de 2h ou investir em um curso de longa duração de 2 dias e se tornar um mestre em design thinking. É esse profissional que tem inundado o mercado e proposto: "vamos fazer um design thinking para isso?". Ou ainda pior, é esse profissional que tem ensinado outros profissionais!

Então temos visto uma explosão de cursos e consultorias no mercado sem condições de formar um profissional com nível adequado e sem condições de fazer um trabalho minimamente digno que ajude a popularizar a prática de forma positiva. Permitam-me deixar bem claro que continuo acreditando que design é para todos! E que todos podem e devem se beneficiar sobre aprender uma nova prática para aplicá-la no seu dia-a-dia. Mas para começar a vender consultoria para as empresas ou a ensinar outras pessoas, é preciso ter aprendido primeiro, ter vivenciado por alguns bons anos e, daí sim, dá para começar a ensinar os outros. Esse video abaixo do Simon Sinek sobre Instant Gratification acho que explica bem o que eu estou querendo dizer. Vale a pena assistir o video todo, mas se quiser ir direto ao ponto avance até o 8o. minuto!

"Algumas coisas que realmente importam como amor, realização no trabalho, alegria, amor à vida, autoconfiança, um conjunto de habilidades. Todas essas coisas levam tempo! Às vezes você pode acelerar partes desse processo, mas a jornada geral é árdua, longa e difícil"

Me recordo que há alguns anos atrás fui procurado por um garoto, na época estagiário de uma grande corporação que me disse o seguinte:

"…estou montando uma startup para auxiliar empresas a criar e difundir programas de inovação"

Na época eu pensei. Nossa! O que? Ele acabou de começar sua carreira, sem experiência prévia e está querendo montar uma startup que vai aconselhar empresas sobre o que fazer para inovar? Sabe o que eu fiz quando fui procurado por ele? NADA!!! Ignorei a mensagem dele ao invés de dar o conselho certo de que achava ótimo ver a energia dele mas que ele deveria continuar trabalhando por mais alguns anos para ganhar experiência, fazer algum curso de negócios para entender como as empresas funcionam de verdade; estudar cultura organizacional para entender como culturas corporativas se formam e quais os caminhos para transformação antes de empreender um negócio dessa envergadura. Isso sim seria sustentável para ele e para o mercado. Então me sinto um pouco responsável por isso também, pois quem se cala, consente!

Mas vamos lá! Nem tudo está perdido, pois o amadurecimento do mercado tende a fazer uma seleção natural e acredito que existe uma nova fase se iniciando, mais madura, da aplicação do design como prática para inovação no Brasil, abrindo grandes oportunidades para quem faz um trabalho sério.

Para as consultorias, é hora de começar a colocar mais ênfase nos resultados e não no caminho percorrido para chegar lá. Ao longo dos últimos anos vi muitas consultorias apresentarem soluções pobres e rasas em seus projetos só porque elas saíram dos workshops com os clientes. Não, pessoal! Uma empresa quando contrata seus serviços, ela quer as melhores soluções, aquelas que os clientes nem sabiam que precisavam! Um workshop interno ou com consumidores nunca vai trazer as soluções, porque o consumidor não é o especialista e ele não estudou o problema no mesmo nível que você. A interação com ele vai ser útil para te ajudar a entender as perguntas que a solução precisará responder, mas raramente sairá dali a solução em si. Convido então as consultorias que trabalham com design e inovação a ousarem se comprometer mais com os resultados e a assumirem um papel mais protagonista na implementação das soluções. E assim, compartilhar mais os riscos e, consequentemente, os benefícios de um novo empreendimento.

Aos profissionais que querem atuar com design e inovação, convido a todos a assumirem esse papel dentro das organizações aonde já estão hoje ao invés de deixar essas organizações porque elas não entendem o que vocês fazem. Que tal então ajudá-las a entender, simplesmente fazendo? Há oportunidade e necessidade de inovar em qualquer organização e segmento. Para aqueles que se propõem a entregar algo diferente e a se comprometer com as consequências do seu trabalho não faltam oportunidades. Então quem assumir os riscos e enfrentar as dificuldades, estou certo de que colherá grandes frutos. As empresas precisam disso, estão prontas para valorizar quem está disposto a encarar esse desafio!

Para as escolas que tem se proposto a ensinar design e inovação no Brasil, é hora de abraçar um modelo educacional que se preocupe com a construção e a sustentabilidade desse campo de trabalho para os profissionais que ela forma. Precisamos de formações mais estruturadas e voltadas para o inovador que hoje já está dentro das empresas incluindo conhecimentos sobre negócios e sobre como lidar com a complexidade das organizações. Não estou dizendo que não temos bons programas no Brasil. Até temos, mas são poucos e não são completos pois não abordam as capacidades necessárias para inovar dentro das empresas. Mesmo os bons cursos tem uma visão muito processual e de certa forma utópica do design. Acho que precisariam incorporar também aulas que ajudassem a construir esse mindset inovador. As escolas precisam também se preocupar em cultivar as comunidades que se formam em volta de seus cursos. A escola é co-responsável pelo futuro dos profissionais que ela forma. Escolher uma profissão é uma escolha de vida e o profissional leva consigo a assinatura da escola que o formou por toda a sua vida, então essa nunca deveria ser uma mera relação transacional de consumo. É um compromisso de longo prazo assumido de ambas as partes.

Para os gestores que vão contratar os profissionais e consultorias para atuar em seus projetos, procure entender de onde essas pessoas vem? Que formação tem? Com quem aprenderam? Qual sua experiência prévia? Que trabalhos já realizaram? Quais as suas credenciais? Historicamente desde seu descobrimento o Brasil se construiu como um lugar para empreendedores, aventureiros e mercenários — leia O cunhadismo para entender mais. Hoje, mais de 500 anos depois do descobrimento, continuamos precisando dos empreendedores, mas acho que podemos abrir mão dos aventureiros e dos mercenários!

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Jose Mello
O inovador brasileiro

Corporate innovator & Educator. Working in the crossroads of Technology, User Insights and Business Strategies to help companies thrive in the digital age.